A pedido da AU, arquitetos brasileiros propõem soluções urbanas com ciclovias em suas cidades
Instigamos quatro escritórios de arquitetura a propor uma solução urbana que incluísse uma ciclovia em sua cidade: Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. O resultado foram projetos que partem de problemáticas específicas de cada capital, sejam focados em áreas determinadas ou abertos a toda a cidade mas que, principalmente, buscam redefinir um outro modo de olhar o transporte urbano, sem medo, inclusive, de eliminar faixas para carros. Textos e imagens são de autoria dos arquitetos. Leitores também estão convidados a contribuir. Para isso, abrimos uma página especial no AU em Rede: www.revistaau.com.br/emrede/cidadesciclaveis
Veja detalhes dos projetos:
Criado por Anthony Lau, paraciclo com silhueta de carro abriga até dez bicicletas
A robusta e colorida silhueta de um automóvel chama a atenção de motoristas e pedestres. O que parece ser uma escultura urbana é, na verdade, um paraciclo que transmite de maneira bem-humorada a mensagem: onde cabe um carro cabem dez bicicletas. Foi criado pelo arquiteto inglês Anthony Lau para o Festival de Arquitetura de Londres de 2010. A organização iria promover uma corrida de bicicletas e não tinha espaço para estacioná-las. Foi assim que surgiu o Car Bike Port, hoje presente em países como Suécia, Irlanda, Portugal e Luxemburgo.
Anthony se inspirou nos sinais de trânsito criados pelos designers gráficos Jock Kinneir e Margaret Calvert na década de 1960, quando a sinalização foi padronizada no Reino Unido. A peça de alumínio recebe pintura eletrostática em cores vibrantes, o que evita que o estacionamento desapareça na paisagem urbana. As cores e a forma lúdica do equipamento atraem as crianças: "elas sentam na silhueta do carro e fingem que estão dirigindo", conta o arquiteto.
Versão coberta |
Paraciclo Car Bike Port consegue abrigar até dez bicicletas |
O Car Bike Port também funciona como suporte para publicidade e possui uma bomba para pneus. Dono da Cyclehoop, empresa especializada no projeto de mobiliário urbano para bicicletas, o arquiteto, que usa o veículo de duas rodas para se deslocar em Londres, onde furtos de bicicletas são comuns, sabe que um dos principais requisitos que um paraciclo deve atender é a segurança. Os suportes permitem que o quadro e os aros da bicicleta fiquem simultaneamente presos com uma tranca circular ou em D.
O guidão alto evita postura inclinada |
Feitos de aço, os suportes centrais, em formato de trapézio, e os laterais, retangulares, conferem ao objeto versatilidade, pois se adaptam aos variados formatos de bicicletas - incluindo infantis e femininas, que têm quadros baixos. Por ser desmontável, a criação de Anthony é ideal para eventos (cabem três paraciclos desmontados em uma van). Mas também pode ser aparafusado ao chão para uso fixo.
Anthony demorou uma semana para projetar o mobiliário em CAD - e não alterou o primeiro protótipo. Mas às vésperas do Festival de Arquitetura, teve uma ideia: dotar a peça de uma bomba para pneus - e dar-lhe mais uma dose de gentileza urbana. O prazo era curto, por isso o arquiteto passou a madrugada anterior ao festival cortando um buraco para a bomba na lateral da peça. No outro dia, os vizinhos reclamaram do barulho e olharam feio. "Mas depois que viram o bom motivo, compreenderam", conta Anthony.
Qual o custo da ciclovia? DICK VAN DEN DOOL Isso varia muito. Uma simples linha pintada em uma rua compartilhada pode custar 20 dólares por metro linear, mais a sinalização no solo. Em Sydney costumamos pintar as faixas de verde, para elevar seu status, o que eleva o custo - em faixas de 1,5 metro de largura, o custo chega a 200 dólares/m². Uma das mais recentes conquistas em Sydney são as faixas segregadas de pedestres, de carros em movimento e de carros estacionados. O projeto Bourke Streek custou cerca de 5 milhões de dólares/km² com uma via de dois sentidos com cerca de 2,8 metros de largura. Isso incluiu tratamentos específicos em interseções, renovação urbana, novas árvores, novos mobiliários urbanos, novos pontos de ônibus etc. HELENA ORENSTEIN DE ALMEIDA Varia de acordo com a tipologia, se é ciclofaixa, ciclovia segregada, se é compartilhada com pedestres ou veículos, se está no nível da pista ou da calçada. O projetista deve garantir não apenas a segurança dos ciclistas, mas de todos os usuários da via, e que contemple revitalização das calçadas, projeto luminotécnico e paisagístico, estacionamento de bicicletas, instalação de paraciclos e integração com outros modais. Em geral, o custo de espaços cicloviários varia entre 20 e 120 reais/m². Quais os principais erros em projetos de ciclovia? DICK VAN DEN DOOL O desenho de cruzamentos. Rotatórias são um desafio que ainda não foi bem resolvido na Austrália, e sinalizações de tráfego normalmente causam atrasos, com ciclistas cruzando no sinal vermelho. O projeto da Bourke em que a ciclovia - com prioridade de passagem - é afastada da esquina, a uma distância equivalente à de um carro até a interseção, o que facilita a visão dos motoristas ao cruzarem. Outro problema de projeto são os últimos 100 metros, quando a faixa acaba justo quando você está perto de onde quer chegar - normalmente, escolas, universidades, estações de transporte. São locais com grande competição pelo espaço da rua com ônibus, táxis, carros, caminhões, estacionamentos. E a ciclofaixa simplesmente acaba. Chamamos isso de síndrome do 'Beam me up Scotty' (em português, algo como, 'teletransporte- me, Scotty'), uma referência ao filme Star Trek. Na Austrália também precisamos de chuveiros e guarda-volumes em estações de bicicletas, porque é muito calor durante o verão. Por último, em ambientes compartilhados, o gerenciamento da velocidade dos carros é crucial. Na Holanda, Dinamarca e Alemanha, a maioria das ruas tem limite máximo de velocidade de 30 km/h, importante para a segurança dos ciclistas e para reduzir a vantagem competitiva do carro. Conjunto ferroviário com ciclovia O projeto pedia um plano diretor para área abandonada pertencente à ferrovia em Botucatu, interior de São Paulo. A proposta dos arquitetos Guilherme Michelin, Marita Carline e Murilo Gabarra, com coautoria de Georges Boris, foi utilizar a área para usos institucionais e instalar um parque nos trechos mais largos. Para a infraestrutura de trilhos, foi proposto um trem tipo VLT e, ao lado, uma ciclovia, tirando proveito da vocação universitária da cidade. A ciclovia (nas imagens, em laranja) em toda a extensão da ferrovia se ramificaria pelos fundos de vale da área urbana - e dotaria a cidade montanhosa de uma malha de ciclovias de baixa declividade. A prefeitura conseguiu a seção da área junto à União e busca recursos para implantar o projeto. Cidade montanhosa é cidade para bicicletas? RICARDO CORRÊA Topografia e clima são geralmente vistos como barreiras para a implementação de um planejamento cicloviário. As aparentes dificuldades, entretanto, não são empecilho para criar um sistema de transporte por bicicleta. O planejamento cicloviário da subprefeitura de Santo Amaro, em São Paulo, o de Porto Alegre e, mais emblematicamente, o de Belo Horizonte, onde o terreno apresenta aclives e declives, são exemplos de uso da bicicleta que ultrapassam barreiras naturais ou artificiais. Quando há muita declividade em um local o ciclista geralmente faz percursos diferentes entre subidas e decidas. INÊS BONDUKI Qualquer cidade pode receber uma rede cicloviária. Em uma cidade montanhosa, o projeto deve analisar minuciosamente o relevo, para determinar eixos que minimizem a alta declividade, acompanhando rios ou contornando áreas de maior aclive. São Paulo, apesar de montanhosa, possui uma gigantesca rede fluvial com percursos planos ou com declividade suave pela cidade. Outras soluções são tornar o trajeto da bicicleta independente do leito carroçável, com travessia pelo miolo dos quarteirões, por parques e praças, qualificando o percurso do ciclista e o espaço urbano; oferecer duas ou mais opções de trajeto para o ciclista, indicando a distância e o declive de cada trajeto; e integrar a bicicleta ao transporte público, possibilitando vencer rapidamente e sem desgaste físico os trechos de grande aclive. De qualquer forma, para o usuário cotidiano de bicicleta o relevo se torna progressivamente um problema menos relevante. Existe uma melhor localização da ciclovia na rua? RICARDO CORRÊA A divisão e a delimitação física de espaços, em locais de grande fluxo de veículos motorizados, aumentam a segurança tanto para veículos automotores quanto para pedestres e ciclistas, uma vez que há uma hierarquia inversamente proporcional entre massa/volume e acessibilidade. O pedestre, que possui a menor restrição de acessibilidade e a menor massa, deve ficar ao lado do ciclista, que o protege por ter mais massa, mas que tem maiores restrições de acessibilidade. Em seguida, com massas maiores e acessibilidade menor, vêm os carros e os ônibus. Na cidade, e entre cidades Elaborado por técnicos da Urbes Trânsito e Transportes e da Secretaria de Obras e Infraestrutura Urbana (Seobe), a meta do Plano Cicloviário de Sorocaba, no interior de São Paulo, é viabilizar 100 km de ciclovias até 2012. A rodovia SP-264, que liga Sorocaba a Salto de Pirapora, também deve receber mais de 20 quilômetros de ciclovia, que conectará as duas cidades. Vias segregadas são boas e eficientes? Há quem ache que ter ciclovias à parte pode passar a impressão de que a rua não é para bicicletas; por outro lado, são mais seguras. Como resolver o impasse? INÊS BONDUKI Cada situação requer uma solução. É preferível optar por direcionar os ciclistas às vias locais, onde não é necessário haver segregação espacial. Além de reduzir custos de implantação, essa situação fortalece o convívio harmônico entre as modalidades. Na maioria das cidades de médio e grande porte, no entanto, ciclofaixas ou ciclovias são necessárias. O problema não está na segregação criada pela ciclovia, mas na segregação gerada por um projeto malrealizado. Implantar a ciclovia no canteiro central das avenidas, por exemplo, além de dificultar a entrada e a saída do ciclista na ciclovia, coloca-o em situação de desconforto, e enfraquece sua relação com a dinâmica nas calçadas e no térreo dos edifícios. ESTHER ANAYA Uma rede para pedalar inclui rotas ou itinerários bem sinalizados - que podem ser tanto reservados quanto compartilhados. Em algumas cidades espanholas, começamos a sinalizar 'Zonas 30', ruas em áreas em que o limite de velocidade não ultrapassa 30 km/h, com o logo da bicicleta pintado no solo para mostrar que as bicicletas são permitidas e são mais do que bem-vindas. Alguns países, como a Dinamarca, têm recomendações sobre o nível de segregação das vias para bicicletas baseadas na velocidade permitida aos automóveis ou na intensidade do tráfego. Poderíamos usar a frase 'Segregar quando necessário, compartilhar quando possível'. Quais os principais preconceitos com as ciclovias? RICARDO CORRÊA Nunca fatores como clima, topografia ou porte da cidade a impedem de se tornar uma amiga da bicicleta. Outro falso conceito é o que condiciona o uso da bicicleta aos países mais pobres ou às camadas sociais de baixa renda. Segundo essa visão, só utilizariam a bicicleta como meio de transporte pessoas que não dispõem de recursos para uma tarifa de ônibus ou para adquirir um veículo motorizado. O que se verifica em diversos países desenvolvidos é justamente o contrário: a política de mobilidade por bicicleta é fator de desenvolvimento urbano, com redução da poluição e promoção de qualidade de vida. Nesses países, a bicicleta tem papel fundamental no sistema de mobilidade e recebe tratamento prioritário nos projetos de planejamento urbano. No Brasil, o cenário aponta para um aumento do uso da bicicleta entre várias camadas sociais e em cidades de todos os portes. Em São Paulo, a última pesquisa origem-destino (2007) apontou o crescimento de 87% nas viagens realizadas em bicicleta em dez anos. Tal fenômeno se deve ao fato de a bicicleta ter começado a ser incorporada ao sistema de mobilidade e a receber tratamento adequado. JEFF OLSON Os preconceitos normalmente estão em ou ser um modo de transporte associado à pobreza ou totalmente ao contrário - ser apenas da elite. Também temos visto que há resistência à mudança. E em muitos lugares há oposição às vias para bicicletas porque o transporte motorizado foi a primeira opção dos investimentos em infraestrutura viária por muitos anos. Quais motivos fariam o brasileiro trocar o carro pela bicicleta? INÊS BONDUKI Pouco a pouco, a população se conscientiza da inviabilidade do modelo rodoviarista como solução exclusiva ou prioritária na locomoção nas cidades. Mais do que a troca do carro pela bicicleta devemos buscar a troca do carro pelo transporte público, este sim capaz de solucionar de forma democrática e qualificada o problema da mobilidade. A bicicleta deve fazer parte deste conjunto, incorporada como elemento de humanização e estímulo ao uso do espaço público. Índices recentes de cidades europeias revelam que, apesar da compra de automóveis não haver diminuído, há uma progressiva queda no seu uso, acompanhada do aumento do uso do transporte público. A baixa qualidade do transporte público no Brasil torna, ao menos por enquanto, ainda distante essa perspectiva. Mas vemos a discussão sendo trazida à tona, e algumas políticas e projetos se realizando. Roda inteligente Os engenheiros do Senseable City Lab, do MIT, projetaram a Copenhague Wheel, uma roda que pode ser instalada em qualquer bicicleta. O centro vermelho concentra a tecnologia, que permite que a roda armazene energia a cada vez que o ciclista freia, e devolva a energia em subidas ou para aumentar a velocidade. Com sensores Bluetooth, pode se conectar ao smartphone do usuário e monitorar velocidade, direção e distância percorrida, além de oferecer dados sobre poluição e a proximidade de amigos. E se alguém tenta roubá-la, a energia armazenada é utilizada para enviar uma mensagem ao dono sobre sua localização. Os primeiros protótipos foram realizados com a empresa Ducati Energia e com o Ministério Italiano de Energia para a Kobenhavns Kommune, na Dinamarca, em 2009. |
Fonte: PINIweb
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