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Geógrafo pela Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC,Ilhéus/Itabuna; Urbanista pela Universidade do Estado da Bahia, UNEB, Campus Salvador; Especialista em Metodologia para o Ensino Superior, pela Fundação Visconde de Cayru; pós-graduando em Ecologia e Intervenções Ambientais pelo Centro Universitário Jorge Amado, UNIJORGE.

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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Urbanismo - O Planejamento Urbano de Salvador em xeque

Especialista: Poder municipal comete crimes urbanísticos em Salvador
Felipe Amorim
De Salvador (BA), especial para Terra Magazine
O pacote de leis aprovado pelo prefeito João Henrique (PP), com amplas e profundas alterações na cidade de Salvador, levaram o arquiteto Luiz Antônio de Souza, mestre em Planejamento Urbano, a uma desolada conclusão: o crime de urbanismo precisa com urgência ser incluído no rol das leis penais.
- Não é uma questão técnica, é uma questão de polícia: foram perpetrados crimes urbanísticos. Não há qualquer elemento com o mínimo de seriedade naquelas propostas que pudesse ser analisado dentro do marco que define o conhecimento urbanístico. O que deixa mais claro todo esse pacote de projetos, primeiro, é que a cidade é gerida como oportunidade de negócios para determinados grupos de pessoas que se vinculam a determinadas estruturas de poder - dispara Souza, professor do curso de Urbanismo da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
O prefeito sancionou, segunda-feira (16), um pacote de leis, enviado à Câmara de Vereadores a duas semanas do recesso de fim de ano, e aprovado pelo legislativo municipal, em 29 de dezembro, por meio de um estratagema para burlar uma liminar judicial que suspendia a tramitação das propostas. "Uma grande molecagem", resume Souza. "A prefeitura desrespeita até mesmo o Ministério Público, a Justiça, e a Câmara também, na sua maioria, entra nesse processo. Isso leva a desqualificar o exercício da cidadania", aponta o arquiteto.
A aprovação dos projetos pela Câmara levou o Ministério Público a acionar por improbidade administrativa os 30 vereadores favoráveis à proposta, mais o presidente da casa por ter colocado o texto em votação. O MP estuda também ingressar com ações de improbidade e de responsabilidade criminal contra o prefeito. Sexta-feira (20), um protesto contra as alterações na Lei de Ordenamentodo do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) encheu a Praça Municipal, sede da Prefeitura.
O "Desocupa, João", como foi batizado o movimento, é o segundo ato popular contra os rumos da cidade em menos de uma semana. No sábado, 14, o "Desocupa, Salvador" mobilizou uma marcha dos descontentes com a ocupação de uma área pública por um camarote privado para o Carnaval, na orla. "Foi demonstrado, com aquela praça em Ondina, que tudo é possível", intervém o professor.
Entre as inovações urbanísticas, está a construção de espigões que causam sombreamento nas praias. "O prefeito pega meia dúzia de terrenos que ele sabe muito bem de quem são e diz que ali pode fazer hotéis sem respeitar a lei maior da cidade, depois da Lei Orgânica, que é o PDDU. Fala que é em nome do turismo, mas não tem qualquer estudo que diz que Salvador precisa de oferta de leitos", dispara Souza.
Ele enumera uma série de críticas à nova legislação. "Tem outro absurdo maior, que é você estabelecer a hora que o sol pode bater na praia. Um problema sanitário gravíssimo: sem presença do sol na areia, você não mata os microorganismos", diz. Também reclama da extinção de uma reserva de mata atlântica de um milhão de metros quadrados: "Esses espaços também podem reduzir zonas de calor, além de contribuir para a não brutalização dos espaços da cidade, que acaba sendo também a brutalização do homem". E condena a manobra que permite a privatização de áreas costeiras da Ilha dos Frades: "É você segregar o oceano para que determinado grupo social usufrua sozinho".
O arquiteto sempre volta ao centro da questão, a política. "Enquanto não resolvermos a forma de financiamento de campanhas, vamos ficar sujeitos a esse absurdos", opina. "Há um grupo que assalta o poder municipal. O que está acontecendo com a cidade é algo insano porque, se você observar bem esses últimos anos, são delitos urbanísticos, contra a natureza".
Confira a entrevista.
Terra Magazine - Como o senhor avalia urbanisticamente o impacto da aprovação dessas leis na cidade?
Luiz Antônio de Souza - Ainda que pareça, ela, no frigir dos ovos, não é uma questão urbanística. Toda questão técnica é também uma questão política, mas esse caso parece uma demonstração de que todas as questões são políticas. Então, não há qualquer elemento com o mínimo de seriedade naquelas propostas que pudesse ser analisado dentro do marco que define o conhecimento urbanístico. Na verdade, o que deixa mais claro todo esse pacote de projetos, primeiro, é que a cidade é gerida como oportunidade de negócios para determinados grupos de pessoas que se vinculam a determinadas estruturas de poder. Isso para mim seria o marco zero. E as pessoas que dirigem a cidade e determinado grupo da burguesia local estão pouco preocupados com a cidade, com a cidadania.
Mas qual o impacto disso para a cidade?
São significativos. Primeiro porque isso revela, demonstra, que, mesmo numa cidade com quase 3 milhões de habitantes, pode imperar a molecagem. Porque o que foi feito é uma grande molecagem. Há exigências da sociedade, que a gente chama de justiça, para que as alterações no PDDU sejam discutidas. Mas aí a expertise moleca cria a figura de colocar (as alterações) em outro instrumento (legal). Por outro lado, a gravidade para a cidade, porque a cidade é uma fato social, na medida em que o poder público atua dessa forma, você desenvolve uma visão de desconfiança, de ignorância, de irrespnsabilidade (sobre o poder público).
No fundo, no fundo, o que essas pessoas fizeram foi um insulto, um insulto que vem desde o processo supostamente de reuniões que foram feitas, aquelas reuniões que chamaram de audiências públicas. Na verdade aquilo foi uma piada, porque eu estava numa delas em que se passava a folha de frequência de funcionários da Casa Civil. Fui testemunha disso. Isso, para as cidades, para esse mundo urbano que demanda cada vez mais a necessidade de que seus cidadãos incorporem o refletir, o pensar, o que chamamos de gestão democrática, isso é humilhante, é uma ducha fria. Desestimula o cidadão, que passa a não se sentir dono desse lugar. Isso é que é o pior.
O principal impacto é político, então?
O principal prejuízo, pra mim, é político. Mas, como esse mundo urbano é carregado de contradições e conflitos, de repente isso pode impelir a sociedade a reagir. Essa história do "Desocupa", da praça (movimento contra a cessão de uma área pública a um camarote privado para o carnaval). E agora vi por e-mail o "Desocupa a prefeitura". Mas o primeiro momento é de ducha fria, porque isso é humilhante, porque você desrespeita qualquer coisa. A prefeitura desrespeita até mesmo o Ministério Público, a Justiça, e a Câmara também, na sua maioria, entra nesse processo. Isso leva, só repetindo, a desqualificar o exercício da cidadania.
Mas, além do político, o que o senhor percebe na legislação aprovada?
Item um: a cidade é vista de forma fragmentada. Isso é fundamental, porque você não tem economia sem território, você não tem território sem economia. O que quero dizer com isso é que são os elementos econômicos e sociais que movem a cidade. Então você pergunta: a história do turismo. O prefeito se compenetra do seu poder discricionário e estabelece, na medida em que ele desrespeita a democracia, a técnica urbanística e até o bom senso. Pega meia dúzia de terrenos que ele sabe muito bem de quem são e diz que ali pode fazer hotéis sem respeitar a lei maior da cidade, depois da Lei Orgânica, que é o PDDU.
Aí ele fala que se pode fazer hotéis em nome do turismo, mas não tem qualquer estudo que diz que Salvador precisa de oferta de leitos, não tem qualquer estudo. Mas, nessa molecagem em que a cidade é gerida, ele usa seu poder discricionário.
Salvador é conhecida como a cidade do verão. Então há a venda do sol, da praia, do mar, como o projeto "Estica Verão". Então tem outro absurdo maior que é você estabelecer a hora que o sol pode bater na praia, e nisso há um viés da ignorância importante porque resvala no aspecto sanitário do higienismo.
Isso, além da irresponsabilidade, é de uma ignorância fantástica. Você tem problema sanitário gravíssimo, porque, se você não tem presença do sol na areia - lembremos que o uso urbano é de grandes multidões -, você não mata os microorganismos. E, na medida em que você delimita o horário, mostra como esse bando de ignorantes está gerindo a cidade. Isso é pura molecagem. Então como você me pede para analisar urbanisticamente? Não sou moleque. Isso não é questão urbanística, isso é um acinte.
Existe ainda o caso da Ilha dos Frades...
Como você pode proibir uma atividade econômica que depende do mar, na medida em que você impede ou dificulta a atividade das marisqueiras? E quando você privilegia uma área que é a melhor pra aportar e cria mecanismos de taxações? Você está impedindo o direito da sociedade de fruir e usufruir desse lugar, com o que você cria a primeira praia em que você paga para usar. Os burgueses espertalhões podem se aproveitar dessa gestão municipal débil para criar outras regiões de praia com esse mecanismo.
Mas o projeto permite bares flutuantes, jet-ski...
É você segregar o oceano para que determinado grupo social usufrua sozinho. Você contraria, inclusive, princípios constitucionais de que todos os cidadãos são iguais. Mas foi demonstrado, com aquela praça em Ondina, que tudo é possível. Alguém já perguntou como é que faz o esgotamento dos sanitários que estão lá embaixo (da praça, perto do mar)?
Em questão de praia, o senhor atuou como perito judicial no processo que culminou com a demolição das barracas da orla...
Aí depois você acaba também com uma área verde, o Parque do Vale Encantado, tudo em nome do mercado imobiliário, que se aproveita desse executivo e desse legislativo fraco. Até porque, provavelmente, nunca esqueçamos que os maiores absurdos em termos de gestão em Salvador sempre ocorrem em períodos eleitorais. Então, enquanto não resolvermos a forma de financiamento de campanhas, vamos ficar sujeitos a esse absurdos. A gente sempre imagina que já chegou, a gente sempre acha que é a última coisa. Não. Porque está provado que coisas piores podem sair desse saco de maldades.
A mudança é possível?
Quem muda são os cidadãos. Para mudar a sociedade, tem que refletir melhor em quem entrega seu voto. Eu me referi à molecagem à picaresca. O que parece um gênero de ficção, na verdade, em Salvador aconteceu. E isso se aproxima também muito daquela figura do Lima Barreto. Então, está mostrando que, enquanto determinados segmentos da burguesia se locupletam, nós temos que ficar atentos para que Brusundangas não seja aqui. Há um grupo que assalta o poder municipal e o grande projeto é dar realidade à ficção de Lima Barreto.
O senhor não comentou ainda sobre a liberação do uso de Transcon na orla (títulos construtivos negociados entre particulares, que permitem ampliar a área construída do terreno sem recolher taxas à prefeitura).Isso tudo está associado a esse saque. Há muito tempo que comento que Salvador tem três moedas: Real, Dólar e Transcons. Aqui partimos para algo que não tem racionalidade. Esse volume dessa moeda, desses ativos financeiros, é extremamente danoso para a cidade. Porque esse instrumento técnico, se estivesse num projeto de cidade orientada para seus cidadãos, poderia ser usado de forma correta. Mas isso é usado como um saque, para explorar ao máximo o que se pode da rentabilidade.
Mas há uma certa racionalidade por trás dos projetos?
Eles não têm qualquer consistência técnica. Eles não têm visão de totalidade, eles pegam coisas pontuais, aproveitando do poder discricionário do prefeito. E nem mesmo o turismo foi encarado com seriedade, pois o recurso que em todo o mundo é valorizado, o mar, a praia, nem isso é levado em consideração porque o cara sombreia a praia. Além disso há outras coisas mais graves. Eles invocam o solstício de inverno (para fixar o horário máximo de sombra) e esquecem o de verão. Mas, como Salvador é uma península, as características de projeção são diferentes.
O senhor fez essas projeções de sombreamento?
Nunca cheguei a fazer porque nunca acreditei que essa malandragem pudesse ser sancionada. Não é uma questão técnica, é uma questão de polícia: foram perpetrados crimes urbanísticos.
O senhor também critica a criação das zonas especiais de hotelaria, que tiveram os gabaritos liberados...
Não são zonas, são terrenos, são coisas pontuais. Apenas esses terrenos estão próximos do mar. E são terrenos que a prefeitura deve saber muito bem de quem são. Acho que deveria ser tipificado o crime urbanístico.
E sobre a extinção do Vale Encantado? Que falta pode fazer uma reserva de mata atlântica desse porte?
Você não tem áreas verdes somente para contemplação, você precisa para infinitas coisas. Lembre-se duma árvore. Se a chuva cai e não encontra uma árvore, folhas para reter a precipitação de água no solo, se cai direto no solo, você tem que pensar um processo de drenagem fantástico (para compensar a ausência de vegetação). Do mesmo jeito, esses espaços também podem reduzir zonas de calor, além de contribuir para a não brutalização dos espaços da cidade, que acaba sendo também a brutalização do homem. E o que está acontecendo com a cidade é algo insano porque, se você observar bem esses últimos anos, são delitos urbanísticos, contra a natureza.
Então esses espaços abertos, de áreas verdes, funcionam como equilíbrio de climatologia urbana e de importância na drenagem. Muitas vezes se fala que está alagando e as pessoas se esquecem que ali existia antes um morro, com árvores, e foi retirado. Mas o que estou ponderando (sobre as mudanças na lei) é que é um crime mesmo de delinquência urbanística. Delinquência porque é um comportamento que se repte e porque contraria a lei.
Enviado por Tiago Sampaio Brito, Salvador-BA.

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