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Geógrafo pela Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC,Ilhéus/Itabuna; Urbanista pela Universidade do Estado da Bahia, UNEB, Campus Salvador; Especialista em Metodologia para o Ensino Superior, pela Fundação Visconde de Cayru; pós-graduando em Ecologia e Intervenções Ambientais pelo Centro Universitário Jorge Amado, UNIJORGE.

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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Meio ambiente - reciclando terrenos contaminados

Recuperação de áreas contaminadas pode ser opção à escassez de terrenos nos grandes centros urbanos; entenda os riscos e oportunidades dessa prática




Marcelo Scandaroli
Empreendimento de alto padrão sobre antigo terreno contaminado de uma laminadora de metais no Parque da Mooca, zona Leste de São Paulo
O que antes era dor de cabeça está virando oportunidade. A recuperação de terrenos contaminados para lançamentos imobiliários está se tornando um mercado forte nas grandes capitais. O cenário propício é resultado da conjunção de três fatores: 1) as técnicas para remediação de solos estão mais avançadas e menos dispendiosas; 2) os terrenos estão escassos nas grandes capitais; e 3) grandes áreas, com algum histórico de contaminação industrial, foram deixadas para trás nos grandes centros urbanos e muitas ainda estão vagas.
A reportagem apurou que grandes incorporadoras estão de olho em áreas com histórico de atividade industrial - e que chegam a custar a metade do preço de um terreno similar sem contaminação - visando à construção de edifícios residenciais e comerciais. Muitas, inclusive, já estão com empreendimentos em andamento, mas preferem não se expor. Afinal, ainda que o processo de recuperação dessas áreas para incorporação seja rigoroso, vincular um empreendimento a problema de contaminação pode comprometer as vendas. Mas a empresa de consultoria ambiental Hidroplan dá uma pista do quão movimentado está esse mercado. O gerente de projetos, Daniel Cardoso, conta que atualmente, de cada dez solicitações de propostas técnicas-comerciais que chegam à sua empresa, pelo menos cinco são para o mercado imobiliário.
"Em cidades como São Paulo, a tendência é ainda mais forte graças à migração de indústrias, que estão deixando as áreas centrais da cidade, cedendo espaço para a ocupação de prédios residenciais ou comerciais", comenta Giovanna Setti, superintendente da divisão de Engenharia e Consultoria Ambiental da Essencis Soluções Ambientais e presidente da Aesas (Associação Brasileira das Empresas de Consultoria e Engenharia Ambiental). Um exemplo nesse sentido é a área de 72 mil m² no bairro da Mooca, na zona Leste da capital paulista, que durante quatro décadas foi sede da fábrica de caminhões da Ford. Após descontaminação, o terreno ganhará, ainda este ano, um shopping com 255 lojas, empreendimento da BR Malls.

Marcelo Scandaroli
Obras de empreendimento residencial e comercial sobre antigo terreno das indústrias Matarazzo, na zona Oeste de São Paulo: saída das indústrias dos centros urbanos deixou grandes terrenos vagos
Intervenções mais complexas

Não vem de hoje o interesse por terrenos contaminados, especialmente aqueles que exigem remediações menos complexas. "Mas o fato é que estas áreas também se esgotarão num futuro próximo, restando apenas aquelas que exigirão intervenções de maior complexidade", ressalta o arquiteto Adilson de Freitas, gerente de projetos da Haztec, empresa que realiza diagnósticos de passivos ambientais e remediação de solos e águas. "Sobretudo nas zonas metropolitanas, o mercado imobiliário é atualmente um dos principais responsáveis pela recuperação de áreas contaminadas. Este papel é de fundamental importância para a sociedade, pois os valores envolvidos no empreendimento permitem financiar a recuperação dessas áreas", destaca o geólogo José Francisco Heitzmann Júnior, sócio-diretor da Umwelt Consultoria, que atua na coordenação e execução de projetos de gestão ambiental, diagnóstico, monitoramento e reabilitação de áreas contaminadas.
Estimar o potencial de negócios envolvidos com a remediação de terrenos é tarefa árdua, uma vez que áreas contaminadas ainda não foram totalmente identificadas e seus respectivos passivos também exigem dimensionamento. Mas calcula-se que só no Estado de São Paulo existam ao menos 3.675 áreas contaminadas, das quais 742 áreas encontram-se na etapa de monitoramento para comprovação da reabilitação e 163 já foram plenamente reabilitadas, de acordo com o Relatório 2010 de Áreas Contaminadas da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) divulgado este ano. "O desenvolvimento desse mercado encontra-se em curva exponencial com tendência de continuar desta forma por mais alguns anos", acredita Heitzmann, atribuindo crescimento não apenas à demanda por terrenos, mas também à maior exigência da legislação e ao crescimento da consciência ambiental, que atua como propulsor de tomada de decisões. "Em função do atual crescimento econômico do País e, em particular, do mercado imobiliário, o potencial do mercado de remediação de áreas contaminadas é enorme", complementa Adilson de Freitas. Para o executivo da Haztec, a escassez de áreas nos grandes centros urbanos para os novos empreendimentos imobiliários é um fato e, por isso, aprender a lidar com as áreas contaminadas pode ser estratégico para as construtoras e incorporadoras.

Mercado em formação

No Brasil, o mercado de remediação te­­ve início entre as décadas de 1980 e 1990, impulsionado pela Política Nacio­nal de Meio Ambiente (lei 6.938/1981) e pela pu­­blicação, em 1999, do Manual de Geren­ciamento de Áreas Contaminadas da Cetesb.
"Inicialmente as grandes multinacionais que atuavam no Brasil trouxeram ao País consultorias ambientais de fora", conta Freitas, ressaltando que o mercado de remedição no Brasil é relativamente novo, mas a legislação ambiental brasileira é bastante sofisticada. Esse é o caso da Resolução Conama 420/2009, que dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas, e da lei estadual paulista 13.577/2009, que dispõe sobre as diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas.
Mas dar um novo uso às áreas contaminadas da forma como vem acontecendo hoje só tornou-se possível com a introdução do conceito de área reabilitada para uso declarado, previsto na legislação brasileira, assim como na dos países mais desenvolvidos. Isso significa que um empreendimento pode ser construído em uma área com problema de contaminação, dependendo do projeto a ser executado e do uso futuro da área, desde que não exista risco à saúde humana. Essa visão, que deixa de lado a ideia de descontaminação total (clean up), permitiu liberar áreas para alguns receptores que estarão expostos a níveis toleráveis de contaminação.
A geóloga Adriana de Lima Silva, da Gerência de Risco Ambiental no Núcleo de Áreas Contaminadas do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), do Rio de Janeiro, conta que essa abordagem ganhou força a partir dos anos 1980 quando os órgãos ambientais conseguiram modelar e quantificar o risco à saúde humana dos diferentes contaminantes. Com isso, a remediação passou a ser especificada de acordo com a meta de descontaminação a ser atingida. "Até então, não era possível fazer nada diante de uma área com chumbo acima do nível considerado adequado, por exemplo. O terreno estava condenado à inutilização e transformava-se em um brownfield", explica Silva.
ANTHONY CHARLTON
Localizado na região Leste da capital britânica, o Parque Olímpico de Londres foi construído em um antigo distrito fabril, que exigiu retirada de mais de 85% do solo para tratamento
Avaliação da viabilidade
Decidir se vale à pena ou não investir em uma área contaminada passa necessariamente pelo desenvolvimento de diagnós­ticos precisos. "Essa etapa deve ser tratada de forma bastante séria e cuidadosa, pois somente a partir de um bom conhecimento geológico da área e de sua forma de contaminação é que se poderá avaliar o custo-benefício do investimento sobre a mesma", diz Heitzmann. Ele conta que é comum que os empreendedores queiram resolver a questão rapidamente e também que as empresas de consultoria queiram atingir a etapa de remediação de forma rápida. "Mas é aí que está um grande risco. O empreendimento pode não dar o resultado desejado e acabar por consumir mais verbas para sua finalização", alerta o consultor. Em suma, a tecnologia a ser adotada na investigação da contaminação é tão importante quanto a que será aplicada na remediação. "Quanto melhor e mais detalhado for o dimensionamento do passivo, melhores serão as informações que subsidiarão a elaboração da remediação e, consequentemente, melhores as chances de um projeto mais eficiente, com custos e prazos menores", diz Adilson de Freitas, da Haztec.
No campo da investigação, aliás, houve muitos progressos nos últimos anos. Arthur Quaresma Filho, diretor da Engesolos, empresa especializada em sondagem de solos, lembra que em um passado não muito distante, a mecanização para pesquisa de solos era escassa e muitos ensaios precisavam ser feitos no exterior pela falta de laboratórios capacitados. Mas técnicas, equipamentos e o mercado como um todo, evoluíram tornando a investigação de solos mais fácil, segura e precisa. "Hoje temos um parque de máquinas que permite fazer todo o estudo de passivo ambiental mecanizado sem necessidade de o operador tocar na amostra. Também já temos laboratórios e consultores balizados para fazer a interpretação desses dados", compara Quaresma.
Uma vez identificado o contaminante, a análise de viabilidade da descontaminação deve levar em conta a complexidade da contaminação, as formas de remediação e a geologia do local. "Vale lembrar que, no caso de contaminações mais complexas, o tempo para a reabilitação da área pode ser superior a cinco anos, inviabilizando qualquer tratativa comercial", diz Daniel Cardoso, gerente de projetos da Hidroplan. Segundo ele, dependendo da magnitude da contaminação, o custo da recuperação pode ir de R$ 200 mil (valor mínimo) a dezenas de milhões de reais.
A ação de descontaminação pode variar de acordo com o tipo de contaminante, a geologia do local e o tipo de receptor que será exposto. Entre as contaminações mais conhecidas, estão as causadas por hidrocarbonetos em áreas que foram ocupadas por postos de gasolina. Em geral, essa situação requer intervenção mais simples. Isso porque esse tipo de contaminação se degrada rápido no meio ambiente e normalmente fica na parte mais superficial. "Além disso, a gente entende bem esse tipo de contaminação, há muitos casos para comparação, bem como tecnologias para remediar", afirma Adriana Silva. Mas há também contaminações de maior dificuldade de identificação e tratamento, como as que atingem aquíferos fissurais. Nessas, os contaminantes ficam retidos em fissuras rochosas, dificultando sua extração. "Mas em todos os casos, há metodologias de remediação", conta a geóloga do Inea-RJ. "No fim das contas, o que vai determinar a reocupação ou revitalização de uma área será o custo da descontaminação", diz Giovanna Setti.

Experiência internacional

Tanto em relação à legislação, quanto no que se refere a técnicas e práticas, as principais referências mundiais no mercado de remediação de solos são a Europa, especialmente, a Alemanha, e os Estados Unidos. "Nestes países existem investimentos elevados dos governos para a revitalização de grandes áreas degradadas, fomentando o desenvolvimento de novas legislações, procedimentos e tecnologias", compara Adilson de Freitas, gerente de projetos da Haztec.
No hemisfério norte o desenvolvimento do mercado é tamanho que há empresas especializadas na intermediação de brownfields, que adquirem áreas com passivo ambiental, investem na recuperação para, então, colocá-las à venda aos empreendedores.
No Brasil, normalmente a aquisição de áreas contaminadas visa o aproveitamento pelo próprio comprador. Mas isso não é necessariamente negativo. "Parece-me mais apropriado, tanto em termos de custos, quanto de prazos, que o projeto da remediação e o projeto do empreendimento sejam elaborados em conjunto, visando a eliminação do risco", diz Freitas.
Além de não existir uma rede de intermediação consolidada, por aqui há alguns entraves que podem colocar em risco a sustentabilidade do mercado de descontaminação de terrenos. "Um deles é a falta de conhecimento e domínio sobre o assunto por profissionais de diversos segmentos. Por isso, as construtoras e incorporadoras que se associarem a empresas de consultoria ambiental de grande porte certamente terão um grande diferencial competitivo", acredita o gerente de projetos da Haztec.
Também não deixam de representar obstáculos os altos custos envolvidos na remediação de áreas contaminadas. "Não podemos achar que todos os empreendedores e prestadores de serviços desta área atuam de forma adequada. Há ainda muito que se fazer visando coibir práticas irregulares e melhoria na qualidade técnica de serviços", pondera o geólogo José Francisco Heitzmann Júnior, da Umwelt Consultoria.
Apesar dos avanços, existe ainda alguma defasagem técnica, informa Daniel Cardoso, se referindo à dessorção térmica, solução utilizada para a destruição de massa de solventes organoclorados. "Este é um exemplo de tecnologia muito utilizada em outros países e que ainda não decolou muito por aqui, provavelmente pelo alto consumo de energia elétrica para utilização das resistências utilizadas no processo", comenta o gerente de projetos da Hidroplan.

Divulgação Cetesb
As técnicas podem ser in situ (sem remoção do solo), ex situ (com remoção do material contaminado) ou in situ, mas on site (material é removido, mas tratado em estações no próprio local)
Conheça as principais técnicas de remediação de solo

Encapsulamento geotécnico (imobilização in situ) - Consiste no confinamento do terreno contaminado usando barreiras de baixa permeabilidade, que podem ser coberturas, barreiras verticais, barreiras horizontais.

Oxidação química - A tecnologia é baseada na injeção de oxidantes químicos em áreas contaminadas (águas subterrâneas ou solo), com o objetivo de destruir o contaminante por meio de reações químicas e converter sua massa em compostos inertes encontrados na natureza.

Extração multifásica (Multi Phase Extraction - MPE) - Poços de bombeamento são distribuídos na área de interesse. O sistema utiliza a técnica de remoção de massa a vácuo.

Aspersão de ar (air sparging) - Injeta-se ar pressurizado no lençol freático para "expulsar" as substâncias voláteis dissolvidas na água. Essa técnica de remediação deve ser associada ao sistema de extração de vapores (SVE).

Extração de vapores (SVE) - Utilizada para retirar compostos orgânicos voláteis da zona não saturada do subsolo. Instalam-se poços na área contaminada com aplicação de vácuo. Essa técnica é eficiente em solos de permeabilidade relativamente alta.

Biorremediação - Utiliza micro-organismos (fungos e bactérias) para degradar e transformar substâncias perigosas em outras menos tóxicas ou não tóxicas.
Pode ser in situ, que consiste em estimular e aumentar a atividade de microorganismos pela adição de nutrientes, adequação de temperatura e/ou introdução de oxigênio. Também pode ser ex situ. Nesse caso a técnica consiste em escavar o solo contaminado ou bombear a água subterrânea e levá-los a tratamento em reatores de batelada (slurry phase) ou em fase sólida (landfarming, biopilhas e compostagem).


Atenuação natural - Envolve processos destrutivos (biorremediação) e não-destrutivos (sorção, dispersão, diluição etc.) dos contaminantes.

Restrições construtivas
Conheça alguns impedimentos comuns em terrenos contaminados


Manejo do solo
A presença de contaminante requer maior rigor do construtor em atividades como escavação e destinação de terra.

Perfurações
A contaminação no lençol freático inviabiliza a peerfuração de poços artesianos.

Adaptação no projeto
A contaminação do terreno pode exigir mudanças no projeto. A mais comum delas é a pavimentação de uma área inicialmente concebida para ser permeável.

Ilustrações: Daniel Beneventi
Uso do subsolo
A presença de contaminantes pode impedir escavações mais profundas e exigir que a edificação comece no térreo.

Ilustrações: Daniel Beneventi

Principais etapas da recuperação de terreno contaminado


Avaliação do terreno
Quando a área em questão teve uso passível de contaminação (por exemplo, indústria, hospital ou posto de gasolina), o órgão ambiental exige que seja feita uma avaliação e uma investigação do solo e das águas subterrâneas.
Se o empreendedor desconhece o uso que a área teve, será preciso contratar uma empresa para fazer um levantamento histórico do uso daquela área, analisar as substâncias químicas de interesse relacionadas àquela atividade e ver se ainda há alguma contaminação.


Planejamento da intervenção
Uma vez identificada a contaminação, é preciso seguir com todas as outras etapas de gerenciamento de área contaminada previstas na norma 420 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). A área contaminada será delimitada e passará por avaliação a fim de detectar os riscos à saúde humana.
Depois de delimitada a contaminação, a empresa especializada apresenta ao órgão ambiental um plano de intervenção. Nele devem constar todas as medidas necessárias à ocupação segura da área, inclusive as medidas de engenharia e de restrição de uso.
O órgão ambiental aprova os níveis mínimos aceitáveis (definido na avaliação de risco à saúde humana) e o plano de intervenção para a área em questão, após a avaliação do material apresentado.


Intervenção e monitoramento
A empresa especializada então dá início à implantação do plano de intervenção, que pode demandar a remediação de solo e/ou de águas subterrâneas.
Após execução do plano de intervenção, a empresa inicia um plano de monitoramento nos solos e águas subterrâneas e encaminha as informações ao órgão ambiental.

Liberação da área
O órgão emite um parecer que, se for positivo, é seguido de termo de reabilitação para o uso pretendido. A empresa deve monitorar os resultados da intervenção. Esse processo é chamado de monitoramento para encerramento de caso e pode se estender por até dois anos.
A liberação do alvará poderá ser feita, em alguns casos, no momento da aprovação do plano de reabilitação, desde que os trabalhos possam ser feitos em paralelo à construção.
Fonte: PINIweb

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